Omissão de socorro

Eu olho pro agora

Procuro fantasmas do passado

E só vejo os do futuro

Você nem vai estar mais aqui quando eu acordar

Eu sei, porque eu já decidi o que fazer

Eu estou apenas aproveitando sua expressão

Seu gesto despreocupado

Sem sangue nas mãos, mesmo quando me deixa para morrer

Talvez você não me ame como diz que ama

Mas eu não te pedi para mentir

Você não me considera tanto assim

E é por isso que você nunca está aqui por mim

Se você secretamente me odeia

Então seja mais discreta

Porque todo mundo já percebeu

Este é o último golpe que você me acerta

E eu não vou mentir

Não é só porquê não é surpresa que isso não doeu

Quase

no escuro dessa galáxia
há um ponto quase sem cor
quase sem vida
que quase respira
que quase brilha 
que quase desvia
que quase raciocina
que quase insiste
em definitivamente ser

brilha ou não brilha?
é planeta ou não é planeta?
há vida ou não há vida?
faz o que quer
quando quer
se quer
você saberá

o mundo não para
pra descobrir
se o ponto vai explodir
ou se vai apagar
mas no dia certo
em que algo mudar
você quase 
você quase
quase
quase

saberá

Nada de novo

às vezes me sinto
como se só andasse no escuro
torcendo pra não esbarrar
pra não tropeçar e cair em um abismo profundo

é como entrar na água
pisar em falso num banco de areia
enquanto a onda chega
e te empurra com força

dança cega ao som de ossos estalando
quem vai cuidar das minhas articulações 
velhas e rompidas?
quem vai viver comigo a minha vida
velha e corrompida?

ajeito meus antolhos
puxo meu corpo cansado de volta pro ponto
me sujo de lama tentando chegar a algum lugar

vivendo um novo dia, mas nada de novo, de novo

Cérebro nostálgico

se você me perguntar
o que há de errado
eu vou simplesmente dizer
que minha cabeça não tem noção de horário
nem de tempo, espaço
ela acredita fielmente
que ainda está no passado

me envolvo na memória
num instante, desespero
eu espero, tão distante
um fim para essa história

dissintonia, histeria
fim de conto, te conto o final
quase partiu ao meio meu coração
há lado bom
aprendeu a bater sozinho

sem o cérebro mandar

Entendo, enfim

eu admito, eu invejo
quem consegue amar
sem querer virar a pele do avesso
escalar um prédio e gritar

pular sem paraquedas
se partir ao meio, se quebrar
só pra ver se por um minuto
o coração para de pulsar

eu procuro em todo grupo
um jeito de entrar
triste, inseguro
talvez eu só queira me encaixar

amor ou ódio, é tão selvagem
impossível de escapar
me domina, me assombra
eu sei que vou entregar 

eu queria saber fingir
queria saber conter
queria saber o momento certo de sorrir 
pra despistar aqueles que nunca vão me entender

nem eu entendo
mas eu já não preciso mais
eu entendo

você estava certa, eu sou demais

Eu costumava ser algo

 Acordada a noite inteira
Com o mesmo coração partido
Eu deveria trocar o disco
Isso está sendo cansativo
Mas como mudar algo
Que em mim está enraizado?

Eu poderia tentar
Fugir
Correr 
Virar poeira no ar
Mas eu já tentei
Eu fugi
Corri
Mas em nenhum momento desapareci

As marcas me sufocam
Os pensamentos me afogam
Eu só quero sair daqui
As horas estão passando
Os minutos voando
E eu acho que estou morrendo

Não há mais muito para mim
Nada além de versos tristes
Nada além de estrofes tristes
Eu sou apenas um fracasso sem rumo
Com um sonho impossível
E um amor esquecido

As estrelas deveriam me guiar
Mas nem elas podem ajudar
Elas apenas podem me observar
Lutando contra mim mesma
Todas as noites antes de deitar
Mas quando eu deito tudo é pior
Eu gostaria de ficar acordada para sempre
Porque se eu fechar os olhos mais uma vez
Sinto que jamais os abrirei novamente

Eu costumava amar
Eu costumava sorrir
Eu costumava sentir
Eu costumava importar
Eu costumava significar
Eu costumava ser alguém
Alguém por quem valia a pena ficar

Agora o que tenho?
Quem sou eu?
E se eu for alguém que não quero por perto?
Eu estou caindo
Caindo rápido demais para me agarrar em algo
Caindo tão rápido que fez a subida parecer levar séculos

Eu estou caindo e isso não é nada

Buraco negro no centro de Maceió

meu bem, nunca te contaram?
que tem um portal embaixo do chão
no centro de Maceió
vai pra outra dimensão

se eu me distraio
eu chego lá
e se eu sonho
eu chego até você

chamando meu nome
no escuro
as luzes brilhando
tornam impossível não perceber

seus olhos pequenos
que eu não conseguia encarar
você sempre passa pela minha mente

quando me lembro de quase voar

Pra quem eu choro sozinho?

se meu choro é falso, fingido
pra quem eu estou mentindo
quando eu choro tão sozinho?

sem poeta não há musa
sem amor não há escrita
eu te amo, você me usa
sou manipulável, sou artista

quando eu penso que eu quero
que você tenha tomado a decisão certa
eu penso se eu sou mesmo tão demais
ou se você foi mesmo esperta

porque eu ainda tenho a poesia
eu ainda sei como rimar
as palavras ainda se encaixam pra mim

e pra você, o que vai sobrar?

Eu mudo

acho que não posso controlar
a raiva que eu sinto
quando começo a lembrar
do seu timbre, da sua voz
quando vinha me falar
que não gosta de brincar

eu não posso me enganar
você era mais forte e eu mais bobo
eu não posso mais lutar
contra tudo que eu sinto
lutar contra o seu jogo
e tudo que você vem despertar

nos seus olhos, um abismo
na sua lábia, o meu mito favorito
um descontrole, uma vontade de controle
ninguém nesse mundo vem me salvar

e num fatídico segundo
eu me pego arrasado
em cima de um muro 
que eu sei que vou pular

num patético minuto, eu sou inconsequente 
e não aceito
ficar fora do seu mundo
eu sei, meu bem, é sujo
mas eu quero que entenda
que eu posso te limpar

amor, eu não tenho nenhum limite do absurdo
eu fico louco, cego, surdo, mudo
se você pedir eu mudo
eu mudo
eu mudo

eu mudo

Qualquer dia você me liga

quando você olhou pra mim
eu vi algo que me fez pensar
que eu gostaria que fosse sempre assim
então, se puder, não pare de me olhar

eu choro, eu grito
eu te dou a minha mão
você se vai pra tão longe
e de repente, escuridão

quem eu sou quando você não está por perto?
quem eu seria em outro lugar?
eu só sei ser seu palhaço
eu só sei te fazer rir pra eu não chorar

sou alma perdida
doido pra me encontrar
no teu corpo, menina
eu sei que só vou me perder mais ainda
mas me liga qualquer dia

e eu vejo se vou te encontrar

O sol

agora eu vejo
tão desperto
eu entendo
porque não era fácil pra você admitir

eu tô mais esperto
porque você não está mais por perto 
e com sua voz profunda
não pode mais me arrastar pro mar
até eu me afogar 

o meu erro foi achar
que você tinha motivos 
pra me dizer qualquer verdade
só porque eu estava disposto a aceitar
o seu pior pecado em troca de ouvir sua voz soar

nos meus ouvidos
fechados
agora
inúteis
não quero mais ouvir
e você não tem o que falar

houve intenção de me enganar?
o sol
houve intenção de mentir?
o sol
você realmente gostou de mim?
o sol
eu estava certo em partir?

o sol

Estilhaços

 os estilhaços
aqueles de quem você foi
estão numa pilha
e você os atira

atira em mim
pobre de mim
sem colete
sem proteção, simples assim

pega de surpresa
despreparada
o que aconteceu?
as bochechas coradas

os estilhaços
você não para
vai parar?
não pare

eu não me importo
me importo sim
eu não me importo
que se atire em mim

eu não escondo
não tento
não fujo
eu tento

os dias passam
continue
as horas passam
continue atirando

de onde os ataques vem?
eu não quero evitar
quando eu ver o próximo estilhaço

para ele vou me jogar

Fita de Möbius

eu e você
em lados opostos 
de uma fita de Möbius
andando sem parar 

não importa se o tempo passa
não importa se tudo mudar
em algum dia, em alguma hora
iremos nos encontrar

se há pedras no caminho
se há barreiras pra atravessar 
pouco importa, meu querido

o destino irá nos cuidar

Bolo sabor desgosto

não posso dizer que estou infeliz 
no geral eu estou bem
mas se eu não fosse maluco por problemas
eu seria quem?

eu abri a porta e recebi
um bolo sabor desgosto
muito obrigado
estava delicioso

talvez você esteja se divertindo
talvez eu tenha confiado demais
demais, mais de uma vez, de novo, mais que da última vez
talvez eu esteja arrependido

enquanto estou aqui sozinho
no meu quarto claustrofóbico
saboreando, indeciso

seu bolo sabor sumiço

O pior que ela pode dizer é "não"

reuni minha coragem
na palma das minhas mãos
eu sei que você disse sim
mas eu preferia que tivesse dito não

há algo sombrio sobre esperar
eu não gosto de não combinar
de ver no que dá
eu sou ansioso, eu preciso tratar

talvez eu deva abrir mão
como bem meu baralho insinuou
eu vi o presente, entendi o passado

mas o futuro baleou meu coração

Dopamina nula

De repente é noite
E eu fico em silêncio
Inquieto, eu não sossego
Queria silenciar minha mente

Nas propagandas entre uma parte e outra da novela
Nos anúncios do YouTube
Interrupções do Spotify 
É onde encontro tempo pra pensar em você

Nem mesmo uma tela infinita
Enchendo minha cabeça de minhocas
Liberaria tanta dopamina

Quanto uma mensagem sua

Verde, como seus olhos

Olhar nos seus olhos
Me deixou nervoso
Eu ainda penso demais sobre
Me deixe fazer de novo

Verde sempre foi minha cor favorita
Não tento esconder 
Eu fico hipnotizado, admito 
Não há como me defender 

Que é perigoso, já diziam
Eu quero correr um risco
Se eu me perco nesse labirinto
Eu me encontro em você?

Me encontre em algum lugar
Sorria na minha direção 
Roube minha alma

Deixe meu coração

Você é um bom motivo?

Eu quero saber sua cor favorita
Se vai sair daqui um dia
Se levará lembranças minhas
O que vai fazer com sua vida

Eu sou exagerado
Tanto quanto sou curioso
Eu quero saber seus pecados
Se você é motivo pra minha alma fazer tanto alvoroço

Com que frequência você mente?
Seu tédio de ter é maior que a ânsia de possuir?
Com quem tu andas? Quem tu és?
Quanto tempo vai levar pra você olhar pra mim?

Eu não sei se me escondo
Você diz que eu disfarço muito bem
Queria ser menos bobo

Pra reparar se você disfarça também

A vida é um rio e eu não sei nadar

aceito um pedido de amizade
crio um laço
aguardo
o que vem a seguir?

alimente o laço e será enforcado
desate o nó e será amarrado
se a vida é um rio, você está sendo afogado

eu queria poder dizer que escapei ileso
dos crimes que cometemos
às vezes eu te olho, mas não te vejo
você me deu um sorriso, assim como Judas deu um beijo

eu não preciso que alguém minta pra mim
pra me fazer sentir melhor
se eu sou o que sou, então que seja, eu serei
eu não me importo de ser o vilão de alguém

eu não vou atrás
eu não vou voltar atrás
eu não tenho pra onde ir
mas eu não volto pra lá mais

por mais encantadora que seja a ideia
de correr atrás de você até meus pulmões doerem
eu vou ter que passar essa oportunidade

porque eles já estão doendo demais dessa vez

Eu bato na porta, você bate na minha cara

tentei te ligar
meu celular descarregou
parece desculpa mal pensada
mas sério que não foi por mal

ia passar aí
tomei banho de chuva
acho que peguei um resfriado 
precisei ir embora antes da hora 

suas cortinas estavam fechadas mesmo
sim e eu tinha mesmo que ir 
sim e eu não saberia o que dizer
batendo na sua porta tarde da noite porque eu preciso me aquecer

eu gostaria de dar seu nome pra um bichinho de pelúcia
e amá-lo como eu amaria você 
se você me desse a chance

de te ouvir falando sem parar até cansar do que tenho pra oferecer

Anéis de Saturno - Dafne

como um veneno que me enriquece
que se espalha pela corrente sanguínea
eu espero de ti uma imunidade
e recebo, na certa, minha ruína
estou desesperado
pelo olhar dos teus olhos castanhos
estou tentando decifrar
os segredos desta pele alva
mas o que me permite ver é pouco
e o que imagino é nulo
pois tu és feito de estrelas
tu és feito de anéis

meu querido saturno

Me olhe e me veja

é meio estúpida a sensação 
de ter que deixar ir
alguém que, na verdade,
nunca esteve aqui

eu queria que você quisesse ficar
eu queria que você me deixasse mostrar
quem eu sou de verdade
você pode ver, se me olhar

eu queria ter você 
uma última segunda vez
olhar de perto o verde prata

e desfazer o encanto que você me fez

Eu te esperei, mas você nunca voltou

já se foi o tempo
que eu tive a sorte pura
de te encontrar

quando você dizia
que eu podia ir
que ia me aceitar

eu acreditava
tão intensamente
que eu brilhava
de tanto acreditar

eu te esperei sair
do lado de fora
de um lugar que eu nem te vi entrar
e você nunca veio

eu nunca tive a chave da sua casa
mas eu sentia que morava lá
você abria a porta
me dizia pra sentar

me oferecia café
sabia que eu não ia tomar
agora meus óculos são quadrados como os seus
será que eu vou me ver como você me via?

eu queria voltar no tempo
bem no momento

em que eu te disse tchau pela última vez

Paralelogramo

Nosso amor tem quatro faces
Nos vértices têm você
Nas arestas, têm você
Nos cantos? Têm você
Para cada cento que compõe meu ser
Um décimo sempre têm você
Eu tento encontrar o limite de seus domínios
Eu busco a raiz de tanto querer

Mas no final, só tem você

Adivinhação

diga alguma coisa
que eu não saiba ainda
que você vai dizer pra mim

eu tento desligar
aquele lado meu
que tem mania de adivinhar
todo pensamento seu

eu tento entender
o que me faria bem
e se não me faria bem
ter um tempo meu

eu queria um instante
dentro do meu ser
vasculhar até eu ver
que há algo aí, vibrante

um coração palpitante
gritando, quer ser ouvido
pena, logo por mim,

um tolo ignorante

Eu me pareço com alguém?

escreva sobre mim
no seu diário rosa-choque
que você deixa escondido
dentro do guarda-roupa

diga que me ama sem dizer, então
se assim for bom pra você
de um jeito ou de outro, me deixe saber

eu sou um turbilhão de coisas 
que te lembram de coisas
que te levam à coisas
que você talvez não vá gostar

mas eu não estava lá
eu sou tão eu quanto você é você
por trás das paredes, eu quero entender

quando olha pra mim, eu sei quem você vê

Vícios destrutivos

posso dizer que provei quase tudo
que esse mundo tem a oferecer
eu não entendo quem joga
eu não entendo quem bebe
eu não entendo quem fuma
eu não entendo quem ama você

eu achei diversas formas de me auto destruir
durante o tempo que eu estive aqui
mas nenhuma foi tão eficaz
quanto deixar você me possuir

como um demônio
me olhando de canto
querendo ainda
me controlar

eu puxo uma carta?
eu puxo três cartas
eu quero te queimar

eu não sou mais tão puro
eu já aprendi a tragar
se eu te sopro como fumaça

você aprende a se dissipar?

Desaparecer

Faça-me girar no ar
Faça-me virar névoa
Faça-me desaparecer

Faça com que o meu brilho se junte ao das estrelas
Eu não quero ter que pensar sobre nada
Ninguém realmente pensa sobre algo

Eu só quero ver coisas 
As que eles tem escondido de mim
Quero me perder no meio de uma multidão
Até que perca também a cabeça

Ensine-me a desaparecer 
Eu quero tornar-me invisível
Não quero que ninguém me encontre, mesmo que tentem
Eu quero apagar a mim mesma

Só a lua e a madrugada irão perceber quando eu me for
Todos eles têm o mundo todo ao seu lado
E eu só tenho os meus fantasmas e a mim mesma

Eu só quero ir para qualquer lugar
Quero me sentir vazia até realmente estar

Eu quero desaparecer

Áspero

Você me acha áspero?
Quando eu choro porque ninguém quer ser meu amigo
Quando eu desmorono porque me sinto sozinho
Quando eu me pergunto o que há de errado comigo

Você me acha áspero?
Qual a diferença entre o que você acha e o que eu sou?
Qual o limite entre eu e sua projeção?
Qual a sensação de ser normal?

Você me acha áspero?
Onde eu errei hoje?
Onde eu posso mudar?
Onde eu tenho que voltar pra consertar?

Você me acha áspero?
O que eu posso fazer?
Quem eu posso ser? 

Você me acha áspero?

Adeus

Eu te vi na rua outro dia
E deixei você passar
Mas eu senti alegria
Só de saber que você estava lá

Seu cabelo estava mais curto
Seu semblante mais despreocupado
Seu riso descontraído 
Você parecia amado

Eu não quis pensar que não teria outra chance
De dizer "olá"
Porque eu só teria outra chance
Se fosse pra dizer "adeus"

E eu não acho justo
O mundo não tem o direito de nos afastar 
De tudo que amamos enquanto tentamos nos segurar
Nas bordas do planeta, pedindo pra ficar

Mas do que importa o que eu penso?
Nada disso vai ficar
Porque no fim, tudo muda

E eu também vou mudar

Álvaro

Eu digo para aquele

Que está atento à todos

Derramando sabiamente suas palavras

Como uma cachoeira derrama água

Tão celestial, etéreo

Me dizendo coisas que eu nunca vou esquecer

Mesmo que o tempo passe

Mesmo que eu venha a crescer

Mesmo que o dia termine

Eu vou me lembrar de você

De como você soube como eu era

Mesmo antes de eu ser

Ágil como nenhum outro teria sido

Leio sua verdade em seus olhos

Vou te contar o que eu sinto

Ainda que seja em meus sonhos

Riscarei os meus planos, eles mudaram quando eu soube

Ouvi dizer que você não está mais aqui

Digo pra sua memória que senti saudades

Eu te digo agora que saudades eu senti

Eu senti sua falta quando você não estava mais aqui

Saudades, meu amigo

Dessa vez, eternas

Assíntota

bem na superfície 
eu tenho medo de não ser suficiente
de ser sempre um quase
de não ter nada pela frente

eu sou quase um homem
eu sou quase o tipo ideal de muita gente
eu sou quase bonito
eu quase nasci com um tamanho decente

eu quase fui o amor de alguém
eu quase sei me expressar
eu tenho depressão há muito tempo
e eu quase estou prestes a me curar

às vezes eu sinto
que eu sou quase inteligente
eu quase sei me virar
eu quase sei amar direito

eu quase posso ignorar
todos os seus defeitos
eu quase posso respirar

e eu quase posso dar um jeito

Bruxismo noturno

viva sua vida 
me esqueça no meio
eu sou um mímico 
não sei o que dizer, me calo de qualquer jeito

quando eu te vejo
sou quem eu sou
e um pouco demais
quando não quero ser

eu engulo palavras
pontudas, são pregos
as horas se arrastam
o que você tem a dizer?

estou te impedindo 
de ser quem é?
quem é você
quando não estou agindo?

eu mexo minha boca
eu escuto um estalo

há algo errado

Eu sinto fome

Mesa posta de pecados
Eu me sirvo de luxúria
Você gosta do meu orgulho
E eu só sinto fome 

Se os olhos são a janela da alma
Eu já sei o que pensar sobre a sua
A razão me diz pra maneirar, a emoção me diz pra sentir
E eu só sinto fome

Eu devo estar mesmo louco
Vou te dizer o quanto 
Espero que você não me diga que já sabia
Logo quando estou prestes a falar demais
Uma presa, tantos caçadores

De uma forma ou de outra, eu ainda sinto fome

Vampiro letrado

por baixo da minha porta
veio a carta de um vampiro
"pode me deixar entrar?"
céus, logo comigo?

na mesinha da sala
veio a carta de um vampiro
"qual seu filme favorito?"
estou diante de um abismo

no pia do banheiro
veio a carta de um vampiro 
"minha falta de reflexo te incomoda?"
não, mas me pego tão alheio 

em cima da minha cama
veio a carta de um vampiro 
"posso sugar seu sangue?
invadir suas entranhas?
desligar o seu cérebro?
e talvez, por mais uma noite, te manter vivo?"

em cima do meu corpo
solitário, pálido e despido
não havia carta de um vampiro

finalmente estou sozinho

Rato que sabe imitar continua sendo um rato

você pode ter as mesmas roupas
o mesmo nome
o mesmo corte de cabelo
o mesmo telefone

fingir que tem o mesmo gosto
andar por aí como se fosse ela
mas você não é e nunca será
porque você não tem o coração dela

seu sangue não te ajudou em nada
na hora de determinar sua bondade
quando você sorri até que esconde
toda essa sua bendita vaidade

você nunca vai ser outra coisa
além do rato que é
do desperdício que é
querer ser todo mundo e ser o que sempre foi

o resto e os erros de uma pessoa qualquer

Tédio de ter, ânsia de possuir, vontade de esquecer

eu sei que as coisas demoram tempo pra melhorar
mas certo dia eu brinquei de pensar
que o tédio de possuir
só não é maior do que o medo de deixar ir

queria que você tivesse enjoado de mim antes
queria que meu corpo ainda fosse meu
é meu? é meu
é meu? é meu, meu

mas olhando pra ele agora
me dá pavor de lembrar
que um dia você esteve tão perto
e acho que esse pavor não vai passar

nada mais faz sentido
nenhuma rima quer rimar
minha mente não me obedece

e não tem ninguém pra me segurar

Amante de padrões

Acho que tenho um
Apreço exagerado por padrões
Aqueles que poucos conseguem notar
Alguns deixam passar

Bastante tempo se vai
Besteira minha pensar que
Bondade um dia virá

Casualidade demais 
Coincidência demais se torna

Destino

Cale-se, Bicho de Sete Cabeças

Pra mim não há mais beleza alguma
Na nossa história que já me foi contada
Diversas vezes por mim mesmo
Enquanto no meio da noite eu chorava

Pra mim não há sutileza alguma
Nos medos que decidiram se mostrar
Nas sombras que de repente
Parece que nunca irão clarear

Mãe
Afasta de mim esse tormento
Afasta de mim esse tipo
Que rasteja e vem para o abraço da morte

As coisas são nefastas como são
Mesmo não parecendo ser
Despenca o meu mundo sempre
Quando vejo como tudo é

Virei minha vida do avesso
Me livrando de toda a minha insensatez
Não há mais nada seu comigo
Exceto as marcas que você me fez

Eu te peço que cresça e desapareça
Sou pra tu um bicho de sete cabeças
Teu rosto já não é mais bonito como eu pensava
Uma última vez te digo 
Pra você me deixar ir
Reclamações minhas que você nunca deu ouvidos
Acho que irão partir comigo
Devo ter pena dos seus esforços?
Ou talvez eu deva rir
Realmente é cômico que de repente você quer me fazer ouvir

Antes tarde do que isso nunca ter fim

Tsunami

eu posso te amar por reflexo
mesmo que me dê refluxo
você não segue meus roteiros
e te ver sorrindo é um luxo

eu não quero mais ver você
nem te cobrir da chuva que eu sou
eu não quero ter que te ouvir falar
que não me quer por perto mais

quando alguém deveria ficar no passado
a gente sente, não sente?
você não me responde, eu só fico calado
pelo menos você não mente

o silêncio me atrapalha 
e eu fico incomodado
lembrando de quando a sua risada 
tava no lugar do meu ranger de dentes

águas passadas
fazem de mim
um tsunami
de amor sem fim
vindo depressa
até você
aprenda a surfar

ou aceite morrer

Volte a ser você

acho que você está cismado
talvez querendo evitar transtornos
não quer se sentir deslocado

o sistema pode ser opressor
e você pode achar que é impossível
levantar-se e dizer que irá transformar
qualquer coisa do tipo seria incrível

você não vê a realidade palpável que é
ser o que é, vivendo o que há pra viver
ou talvez não queira ser

não querer ser te torna diferente do que é?
eu não sei dizer
mas de qualquer forma

não cabe a mim resolver

Mil dias de noites eternas

do que eu vejo 
no reflexo
dos seus olhos
eu já não gosto

eu não quero mais me ver
sob essa lente embaçada
que você me faz viver
mil dias de noites eternas que não querem amanhecer

coisas anormais 
meio abomináveis
vistas pelo canto do olho
que flagrou pelo canto de um reflexo
de um pequeno espelho
que cabe no bolso
igual meu verdadeiro eu
que se apagou

e se encolheu

Esperança como gota d'água

É tão difícil abrir os olhos e ver

Que certamente o amor ainda existe

Só não existe mais o nosso

Tive que ver pra crer

Colocar nossas memórias

Atrás de um vidro fumê

E perceber, que no fim do dia

O mundo não deixou de ter cor por você

E os poemas que me escreveu

Evaporaram e voltaram como chuva

Na qual minhas lágrimas se misturam

E deixam meu rosto banhado de esperança

De um futuro pra nós dois

Eu e eu mesmo

ando com cuidado
pra não cair em buracos
pois eu não sei
se cairia pra baixo
ou pra cima, ao invés

quando tiro as camadas
uma por vez
eu percebo que assim como eu
você se fez

me olho no espelho
vejo mil paradoxos 
e dez mil histórias 
que sempre acabam em talvez

eu e eu mesmo nascemos
ao mesmo tempo
dormimos no mesmo berço
moramos na mesma mente
mas não vivemos na mesma sensatez

eu e eu mesmo somos eternos adversários
compartilhando aniversários
corpo, hobbies e até mesmo o jeito de andar

mas eu tenho medo que um dia
o outro eu tome o meu lugar
e ninguém que eu amo

saiba diferenciar

O pão é nosso

Dizem que a gente come o pão que o diabo amassou
Mas quem chega depois come só o que sobrou
O pão para os mais ricos
E os farelos pra escória
Quanto mais o tempo passa pior fica a história

Seria até tolice dizer que não aguento mais
Porque no dia seguinte eu ia ter que aguentar mais
Durmo cheio de veneno na boca
Acordo pronto pra cuspir
É que a verdade é ruim demais pra eu apenas engolir

Perco aos poucos a confiança naqueles irmãos
Que cuspiram no prato que comeram por aceitação
A força vem do todo, mas o todo é só eu

E se algum dia tiver sucesso não posso dizer que é meu